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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

UMA IMAGEM MARCANTE.


Ao me deparar com a tela do computador hoje, como das vezes anteriores, fiquei me perguntando qual seria o tema da postagem. Na maioria dos casos o que dá mote ao texto é o desenho que o acompanha, outras vezes (mas muito raramente) crio uma arte qualquer de última hora só para ilustrar a mensagem.
Sempre tenho a cabeça cheia de idéias, o que me falta é tempo e quase sempre minhas preocupações bloqueiam meu raciocínio, melhor dizendo, criam estáticas, e não filtro minhas emoções de maneira adequada; como hoje, logo de manhã já recebi ligação de uma das editoras que me dão serviço, e lá vem mais obstáculos para transpor;  hoje, prevejo um dia cheio, daqueles que não trazem nenhuma palavra de alento. É fácil reconhece-los. Esta talvez seja a única vantagem de envelhecer, conhecer de cor e salteado o enredo e o final de determinados filmes.

Com o clima assim, não seria de bom tom falar sobre tragédias, ou para ser menos dramático, de coisas que nos incomodam, mas se temos que enfrentar os nossos medos, então vamos lá.

A primeira lembrança que tenho de ver um corpo humano aos pedaços, foi na região do Taboão em Guarulhos, quando morei com minha avó. Um garoto havia sido atropelado por um ônibus. Não sei que idade eu tinha, 4, 5 ou 6 anos, não era mais que isto. Mas nada me causou um impacto tão forte como a pintura do "Tiradentes Esquartejado" (google), obra do pintor clássico paraibano Pedro Américo.
Era início dos anos 70, e eu morava em Pirituba, na mesma rua onde aquela cor amarelovermelhoalaranjada dos longos cabelos da boneca na mão da garotinha me deslumbrou, e para provar que tudo nesta vida possui um certo equilíbrio, para uma grata lembrança, temos outra funesta, e quão trágico parece ser que esta última se sobreponha à primeira, como a tormenta ocupa o lugar do agradável horizonte límpido que a precedeu de forma brutal.

Eu estava na escola, era próximo do dia 21 de abril, o trabalho era para se fazer cartazes para as comemorações do dia do Tiradentes, e ali estava, em todas as suas cores a figura que tinha sido recortada do primeiro fascículo da coleção "Grandes Personagens Da Nossa História". Um cartaz com várias gravuras mostrando os distintos momentos da vida deste que foi eleito o maior "herói" nacional". Mas apenas uma viria marcar - vai saber se para o bem ou para o mal - boa parte da minha vida. Ainda lembro do comentário irônico de um garoto japonês sobre a perna fincada na estaca.
Naquele dia eu cheguei em casa taciturno, sem apetite para o almoço. Não era medo, tampouco nojo, era uma forte impressão que tomou conta de mim e que nos anos posteriores viria se tornar um espectro que me tiraria a paz. Soa forte? Não sou bom com as palavras, se fosse, eu traduziria nas letras o que se passava no meu íntimo para que alguém pudesse entender. Só entender, nada mais. Certas coisas na vida não se explicam, tampouco tem remédio, elas são o que são, como são, e a única coisa a fazer é lutar contra o monstro que te devora, e só se faz isto levantando a cabeça e seguindo em frente. Se pararem pra pensar, Zé Gatão tem a ver com isto, a dura luta diária pela sobrevivência num mundo repleto de violência, luxuria e mensagens negativas. Levantar a cabeça e seguir em frente tentando manter a sanidade e discernir a linha tênue entre o bem e o mal. Repare que no universo antropomorfo que criei não existe lugar seguro, nas cidades, no mar, na floresta ou no deserto, ali está a pressão, a ameaça. Parece familiar pra você?

A imagem do Tiradentes esquartejado, parecia-me mais abjeta que do garoto atropelado de uns anos antes talvez porque ali tinha acontecido uma fatalidade, algo que, sei lá, não seria possível evitar. No caso do Joaquim José da Silva Xavier, me parecia inconcebível que um ser humano pudesse fazer aquilo com outro. Tá, a coisa não se deu, provavelmente, como mostra o quadro, mas a mensagem permanece.
Como é comum à qualquer criança, aquilo não durou, logo estava de novo brincando de Tarzan com os amiguinhos ou descendo as ladeiras em carrinhos de rolimã.

Uns dois anos depois, estávamos instalados no centrão velho de Sampa, na Rua Aurora, eu estudava no Instituto Escolar de Educação Caetano de Campos na Praça da República, e de novo, próximo das comemorações do dia 21 de abril, na sala de aula, amplo debate sobre a inconfidência mineira e suas consequências. Então novamente me deparei com o espectro do "herói nacional", só que agora ele tinha tomado um aspecto maior, mais escuro, mais assustador. Logo entendi porque, não era mais somente a figura dele esquartejado, mas toda a sordidez que envolvia a história, a forma como ela era contada. Tudo aquilo começou a formar em mim um sentimento de desprezo absoluto por tudo o que se relacionava com a história do Brasil. Todos os absurdos gloriosos me davam asco. Eu não conseguia tirar da mente as visões que se formavam, os detalhes sórdidos, como por exemplo, o carrasco montando nas costas do enforcado para que o suplício não se prolongasse.
Aquelas sombras tomaram conta do meu universo e mente, me envolveram como uma bruma negra. Os dias frios e cinzentos, a garoa fina e intermitente tão peculiar de São Paulo naqueles dias só faziam multiplicar aquela onda de terror que me acometia. Eu não tinha fome, nem conseguia conciliar o sono. Só dormia depois de muitas horas me revolvendo na cama e ainda assim era tomado por sonhos estranhos e perturbadores. Eu buscava de forma obcecada saber tudo a respeito do drama da conjuração mineira, e quanto mais sabia, mais odiava aquilo tudo. Eu quase admirava o traidor da "causa", Silvério dos Reis. No meio disto tudo acabei conhecendo um certo Felipe dos Santos que uns anos antes liderou uma revolta semelhante em Ouro Preto. Ali, a coisa se adensava, uma vez que este coitado teria sido esquartejado atado entre quatro cavalos bravos (hoje especula-se que isto seja um mito) e minha cabeça um tanto doente com estas visões macabras ameaçava fundir-se irremediavelmente (pelo menos a mim parecia). O lado bom desta história é que tirei nota máxima por este trabalho, aliás, devo acrescentar aqui que durante o meu primário (hoje ensino fundamental) eu fui um ótimo aluno, só vindo a ser um estudante medíocre no ginásio, ou segundo grau, ou ainda ensino médio.
Eu me sentia triste e sozinho, apavorado por algo invisível e além da compreensão, afinal, ali não havia nada a temer; porque então eu tinha uma sensação de que os espíritos dos inconfidentes viriam me arrastar para aquele passado sórdido com eles, para ser degredado na África ou subir o cadafalso e ser enforcado?
Cheguei a conversar com minha mãe (com meu pai nunca houve diálogo) mas como ela poderia dar crédito a algo tão impalpável?  Logo aquilo iria passar dizia ela. No escuro do quarto algo parecia me observar. Naquela época eu não conhecia a Cristo, nem Sua palavra, não sabia do poder da oração. Meus irmãos, sempre os melhores amigos, eram tenros demais.
Se eu tivesse tempo e espaço, contaria algumas coincidências envolvendo a macabra pintura do Américo, mas pensando bem, melhor não falar disso. Deixo o passado no passado.

Um ano ou dois mais tarde Brasília vinha me saldar com seus horizontes amplos, sua iluminação quase célica e a verdura de sua rasteira vegetação. Aquelas emoções conturbadas pareciam ter ficado para trás. Por pouco tempo. Aprendi com isto que não importa para onde se vá, se não resolve-lo, o problema segue junto com você. Contudo parecia que no céu o mesmo problema tinha uma cara, no inferno outra pior. Talvez na adolescência as impressões nefandas tomassem outro corpo. De qualquer modo o resultado era era o mesmo. Uma terrível sensação de desgraça eminente que me tiravam o prazer da vida. Pra contra atacar eu desmerecia a figura do "herói nacional", dizia que era uma farsa, o cara era um escroto, a história toda era uma mentira. Me diverti de forma forçada quando certa vez a revista Mad retratou alguns célebres personagens históricos. Lá estava o Tiradentes enforcado com a cara do Alfred Newman de lingua de fora e ainda com aquele sorriso imbecil - Estes caras não respeitam nada, nem o único herói que possuímos - disse um amigo de escola. Eu não tinha coragem de olhar a pintura dele esquartejado, quando de forma inadvertida ela me saltava aos olhos, eu tinha palpitações e sudoreses. Afirmava que ela era mal feita, não retratava fidedignamente o local onde a tragédia se deu, como se eu soubesse do que estava falando. Qual o quê, a obra é brilhante, corajosa e ousada, hoje reconheço, embora ainda me cause desconforto.
Pra piorar meus nervos, houve quem falasse que eu poderia ser a reencarnação de um dos inconfidentes, quem sabe do Silvério, até mesmo do Joaquim. Cheguei a frequentar centros espíritas na época e finalmente me dar conta da grande bobajada que é o espiritismo e suas práticas. Resumo tudo em duas únicas palavrinhas: foi horrível.

A história do Brasil pra mim ainda é uma lástima, mas noto como ela vem sendo recontada de diferentes formas conforme a música que é tocada no momento. Fontes modernas e mais confiáveis afirmam que a conjuração mineira não foi bem como aprendemos na escola. Uma nova versão, dizem, bem documentada, afirma que o Tiradentes sequer foi enforcado, que um ladrão foi morto em seu lugar em troca de benefícios à sua família e blá, blá, blá. Pra mim tanto faz.

Como venci isto tudo? Não venci meus amigos. Cristo Jesus venceu por mim. Ontem eu era criança, hoje sou velho, as marcas das inúmeras lutas hoje não passam de meras cicatrizes.

4 comentários:

  1. Fala, Eduardo! Profundo. E vc está certo. Na mente de uma criança, a história do Brasil, como era contada durante a ditadura (nossa infância) deixava grandes marcas e possíveis traumas. Mas crescemos, a história está sempre sendo revisitada e recontada. Hoje não valeria a pena se impressionar. Ainda bem que crescemos.
    Ótima semana,
    Força.

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  2. Pois é, como sempre você já disse tudo, não há nada a acrescentar.
    Possivelmente removerei esta postagem em breve. Certos assuntos me incomodam mesmo depois de tanto tempo, ou talvez eu deixe, vamos ver.
    Obrigado e um forte abraço.

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  3. Que barra, Schloesser! Ainda bem que você não colocou a imagem no post. Seu texto já impressiona o suficiente. Na infância, o Cristo crucificado me impressionava muito, mas o choque maior foi saber que, nos tempos de Jesus, crucificar pessoas era comum. Foi quando comecei a desconfiar que a humanidade não prestava. Abraço!

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    Respostas
    1. Eu consegui, Carla, pelo Google, uma imagem com boa resolução do quadro do Pedro Américo e postei junto com o texto, mas depois de um dia resolvi remover. Ainda acho uma imagem muito chocante, sei que é uma obra de arte mas ainda me causa uma impressão por demais negativa.

      Parece que ela faz parte do acervo do museu de Juiz de Fora, é de tamanho natural e ouvi rumores que pessoas já passaram mal ao ver o quadro. Seria verdade ou lenda? Uma curiosidade: a imagem compõe o mapa do Brasil, se observar bem.

      Minha mãe também se impressionava com imagens do Cristo cruxificado. Barra!

      Obrigado e forte abraço.

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